O ano de 2008 foi marcado pelo início da famigerada crise global, que acabou por afetar não só os países desenvolvidos geradores da crise, como também os países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, dependentes, em algum nível, do jogo econômico global.
Frente ao potencial crescimento das taxas de desemprego verificadas no início deste ano, principalmente nos setores ligados ao epicentro da crise (exportadores, automóveis, commodities, etc), fica patente que não foram somente os empregados de baixa formação que pagaram e pagarão o preço, mas também os profissionais de formação mais completa, mormente pertencentes ao chamado middle-management (ou média-gerência).
É bem verdade que algumas empresas, mais especificamente aquelas em setores mais distantes do ardor da crise, vêm demitindo pessoas com o objetivo de promover ajustes estruturais que em momentos de euforia e crescimento não conseguiriam justificar socialmente. Em outras palavras, algumas empresas têm se escondido na crise – mesmo que razoavelmente imunes a ela – para poderem promover cortes e facões na média gerência e fazerem os ajustes que há tempos desejavam, sem sofrerem críticas ou sanções de seus stakeholders externos. Isto posto, também não podemos fugir do fato de que a crise existe e que, sim, empresas precisam demitir para sobreviver – ou, em metáfora clara, cortar na própria carne para continuarem vivas.
Sabemos que o dinamismo de uma sociedade (e, portanto, dos mercados) depende da sua capacidade de empreender, uma vez que o agente econômico empreendedor assume um papel fundamental – o de criador-explorador de oportunidades, de tomador de risco, de quebrador de paradigmas, de profeta da disruptura e da vanguarda – seja por criar e implementar empresas, negócios e modelos inovadores frutos de sua visão e criatividade, seja por se tornar socialmente responsável pelo rejuvenescimento e sofisticação da sociedade, seja por angariar a responsabilidade de gerar empregos e, portanto, prover o sustento de outros agentes – seus colaboradores, fornecedores, parceiros e, em alguma medida, do Governo e da própria sociedade (ex. impostos).
Com o apoio estruturado das esferas governamentais, via programas de capacitação e financiamento, abarcando desde a flexibilização dos modelos trabalhistas, a redução inteligente da carga tributária e a desburocratização do processo de constituição e operação de empresas, até a criação de mecanismos de acesso a crédito e financiamento mais democratizados (vide taxa de juros do Banco do Brasil, por exemplo), o Brasil poderá construir, a médio-prazo, um cenário mais ideal para o incentivo, ampliação, fomento e promoção do nascimento de novos micro, pequenos e médio empreendedores que, sobrevivendo e prosperando, se tornarão responsáveis pela construção de uma economia nacional mais forte e de uma sociedade mais horizontal e oportuna.
O Governo, com o apoio das associações de classe (patronais ou não), ONGs voltadas ao assunto e até mesmo de grandes empresas nacionais ou multinacionais, necessita definir mais claramente suas políticas de fomento a este “boom” potencial de empreendedorismo competente e formal, dando a estes novos micro, pequenos e médios empresários as condições de trilharem o primeiro passo com segurança sistêmica e informação qualificada e confiável.
Além das medidas de cunho político – e, portanto, de curto prazo, a construção de um País mais empreendedor (não do tipo aventureiro, que se perpetua atualmente – vide taxa altíssima de mortalidade de novos empreendimentos e taxa aguda de negócios informais) demanda um processo articulado de evangelização da cultura empreendedora nos ambientes de ensino (desde a formação básica até, e principalmente, universidades), apostando na formação dos novos empresários, que deverão poder contar com uma ampla rede de pesquisas e informações dos mais diversos setores de negócio, bem como sensibilizando os demais agentes envolvidos na criação destas empresas emergentes.
Vale reforçar que uma outra demanda relevante para um ecossistema rico em criação de novas empresas vencedoras é a existência de um mercado privado de capital de risco para financiamento e sustentação dessas empresas em seus estágios iniciais. Não é novidade para ninguém que o mercado de Seed Money e Venture Capital no Brasil está bastante aquém do ideal para um país com nosso potencial e mercado interno.
Por outro lado, não se pode esquecer que uma sociedade empreendedora se constrói tendo por base uma cultura que valorize principalmente a confiança, a inovação, a iniciativa individual e, acima de tudo, o prêmio pelo esforço centrado no longo prazo, em detrimento à cultura do resultado rápido e efêmero.
De fato, o ideal e o desafio de se abrir um negócio próprio exige ter as idéias certas, encontrar a melhor forma de financiá-las, constituir formalmente e legalmente uma empresa cidadã, traçar estratégias vencedoras, construir relações saudáveis, duradouras e lucrativas com os diversos stakeholders e resolver constantemente os desafios humanos, operacionais, tecnológicos, mercadológicos, legais e financeiros que se apresentam diariamente. Some-se a isso a imposição de tenacidade e auto-motivação feita ao empreendedor, que deve ser capaz de resistir às contínuas dúvidas, à inércia inicial (natural) e, às vezes, ao negativismo de quem o rodeia e daqueles a quem se dirige para pedir ajuda e colaboração.
Com essa crise – e a posição especial que o Brasil detém atualmente, em 2009 o País deve dar mais um passo rumo à consolidação de sua situação de prestígio global, associado a um crescimento sustentado interno comparativamente razoável e a mais alguns passos rumo à reorganização política e social. Neste cenário, existem inúmeras condições para se promover de forma ativa e estruturada o tão importante processo contínuo de formação de novas gerações de empreendedores nacionais. Os empreendedores – novos desempregados ou não – devem estar dispostos a se destacar exatamente neste momento. Até porque, quem disse que montar novos negócios de sucesso é prerrogativa de economias exuberantes em momento de pico de crescimento? Como todos sabemos, é na crise que estão escondidas grandes oportunidades, porque são as crises que forçam a redefinição de indústrias, setores, segmentos da economia, mercados e cadeias de valor… exatamente onde as melhores oportunidades estão escondidas, prontas para serem identificadas.