Neste artigo, procuraremos lançar mão da idéia de que, dada a atual conjuntura global e suas perspectivas para os próximos anos, o Brasil pode, de fato, se posicionar como um dos principais países emergentes nos próximos 50 anos, dividindo este posto com China e Índia.
Da forma como enxergamos aqui na DOM Strategy Partners, podemos dividir o mundo hoje basicamente em 11 blocos:
- Os países desenvolvidos determinantes e em fase de revisão total de valores, prioridades e políticas relacionais (“Chegamos lá e queremos mais e mais”), tais como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão, França, Itália, etc.
- Os países desenvolvidos e voltados ao equilíbrio social (“Chegamos lá e está bom assim”), tais como Suíça, Áustria, Finlândia, Dinamarca, Noruega, etc.
- Os países quase desenvolvidos (“Estamos chegando lá, apesar das escorregadas”), tais como Espanha, Portugal, Austrália, Coréia do Sul e Chile.
- Os países ex-desenvolvidos (“Já estivemos quase lá e agora precisamos nos recuperar”), como os países do Leste Europeu tipo Hungria, Romênia, República Tcheca, Polônia, etc.
- Os países fechados e das guerras (“Nós definimos o nosso lá”), como os países do Oriente Médio, mormente os ligados ao petróleo.
- Os países subdesenvolvidos (“Quem sabe cheguemos lá, um dia”), como boa parte dos países da América Latina.
- Os países zero-desenvolvidos (“Onde é lá?”), como grande parte do continente africano.
- Os países “tranqüilos” (“Nosso lá é aqui e agora”), tais como os países da Polinésia e do Caribe.
- Os países abatidos (“Quase estivemos lá, mas não conseguimos ficar lá”), tais como os ex-futuros-talvez-ex-tigres asiáticos Tailândia, Malásia e Filipinas.
- Os países que pararam no tempo (“O lá não é nosso foco agora”), como Mongólia, Albânia, etc.
- Os países do contraponto aos determinantes – os um dia chamados BRICS, sigla infeliz que não “pegou” por falta de alinhamento cultural, história comum e de visão de mundo de seus pseudo-integrantes – que são os países capazes de, no médio espaço de tempo, assumirem posição de liderança global por apresentarem (nem todos na mesma dimensão, claro), basicamente, 10 elementos centrais:
- (i) grandeza geográfica,
- (ii) alto contingente populacional e de consumo potencial,
- (iii) forte economia produtiva, principalmente focada na agro-indústria e na indústria de transformação,
- (iv) crescente investimento em tecnologias e automação,
- (v) fomento interno ao setor de serviços,
- (vi) política industrial de fomento à exportação,
- (vii) crescimento do poder de arbitragem política internacional,
- (viii) democracias imaturas buscando legimitidade, transparência, representatividade e regulamentações (aqui China e Rússia, por exemplo, têm sérios desafios),
- (ix) economias ainda instáveis e
- (x) violentos desníveis sócio-educacionais, de representatividade/influência política decisória e de poder de consumo.
Pois bem, os chamados BRICS eram para ser Brasil, Rússia, Índia e China…, mas podemos acrescentar ao bloco países como México, África do Sul e Argentina (ai ai ai!), dentre outros.
É certo que as economias do primeiro mundo, principalmente dos grupos 1,2 e 3 de países na lista acima, estão cada vez mais sedentas por novos mercados consumidores, uma vez que estão quase que em estado de saturação de consumo em seus mercados internos e precisam exportar mais e mais para continuarem crescendo (ou seja, sendo capazes de manter seus níveis atuais de atendimento ao cidadão). E é claro também que estão vendo nos BRICS suas melhores apostas, principalmente depois da Crise do Subprime e do questionamento quase global de algumas de suas características fundamentais, como a democracia americana, a integridade britânica, da influência cultural francesa ou da capacidade empreendedora italiana.
E é daí que vem o dilema desses países, que hoje se traduz num jogo do tipo “catch 22”: quanto mais negócios fazem com os BRICS, mais dependentes ficam de suas economias e mais contribuem para o desenvolvimento desses países. Quanto mais desenvolvidos ficam esses BRICS, mais passam a ameaçar a posição de conforto dos desenvolvidos. E vale ressaltar que os BRICS, ao contrário dos desenvolvidos, ainda nem têm seu mercado interno distante do ponto de saturação de demanda, o que vale dizer que conseguem crescer quase que organicamente (portanto, mais isentos a crises globais, como se comprovou), focando suas ações no atendimento de seu público interno. Ou seja, o que é vital para os desenvolvidos – exportar – é quase que um “complemento de renda” para os BRICS, ainda por alguns anos.
Pois bem. Se isso é verdade, se de fato, nos próximos 50 anos, os novos BRICS assumirão a dianteira da economia global, dividindo espaço com os atuais líderes (como inclusive apontou o estudo Goldman Sachs 2050, que previa a China como 1ª., os EUA como 2ª. e o Brasil como 5ª. na escala de liderança de economias globais), nos parece razoável assumir que, para os países dos blocos 2 e 3, haverá bom interesse em fazerem negócios com os BRICS, pois apresentam momentos e valores distintos: drive social para países do bloco 2 (desde que os BRICS não apresentem valores anti-humanistas) e crescimento de posição econômica para países do bloco 3, condição que pede mais e mais negócios sempre.
Já os países dos blocos 4,6 e 9 verão nos BRICS suas oportunidades de crescimento colaborativo, como, inclusive, já começa a ocorrer, quando países como Brasil e China são aceitos no Conselho de Segurança da ONU ou quando o Brasil apresenta vitórias importantes na OMC contra protecionismos econômicos dos desenvolvidos ou ainda quando o Brasil se apresenta com estandarte da economia do valor livre (software, conteúdo, etc) na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação da ONU, representando exatamente os interesses desses países com menor condição. Aparentemente, os demais países, os mais subdesenvolvidos, terão mais voz e acesso, com os BRICS dividindo a liderança.
E é desse cenário, de quase inexorabilidade de co-liderança para os BRICS, que afirmamos que o Brasil tem uma excelente oportunidade de se posicionar como o melhor BRIC para se fazer negócios, o melhor país para se comerciar… o líder do grupo.
Isso porque, além dos já sabidos ativos de indústria forte, serviços desenvolvidos e profissionais capacitados e reconhecidos globalmente, o Brasil apresenta 2 ativos fundamentais, diferentemente de seus competidores BRICS: Democracia, Abertura e Transparência (ativos que a China e a Índia não sustentam, por exemplo) e PAZ interna e externa (seja religiosa, seja política, seja racial, etc), ativo competitivo de maior valor que poderíamos ofertar aos nossos clientes globais no médio-longo prazo.
É mais que razoável assumir que o capital, enquanto agente de maximização de si próprio, tenda a ir para países onde o macro-entorno (condição política e econômica) seja mais positivo, mais potencial, mais transparente e mais estável em termos de regras e valores. E isso é tão mais verdade, quanto mais em paz estiver o país. Senão vejamos alguns breves exemplos de nossos concorrentes:
- A Rússia tem que enfrentar sua máfia, seus buracos deixados pelo socialismo fracassado e o terrorismo separatista do Cáucaso, principalmente da Chechênia.
- A Índia, além do violento gap social, ainda tem que vender ao mundo sua condição especial imposta por sua religião (ou religiões) e resolver a pendência histórica com o Paquistão na guerra pela Caxemira.
- A África do Sul apresenta seu legado negro de guerra civil calcadas na questão racial, além de altíssimos índices de problemas com a saúde pública e de doenças como a AIDS.
- A Argentina, por ora, deve se concentrar em sair do buraco em que se enfiou nos últimos 5 anos, de se reinventar após o domínio Kirchner, e de procurar depender menos economicamente do Brasil.
- O México, que vendeu sua alma – e consumidores – aos EUA, certamente terá bons ventos econômicos enquanto esse casamento durar… mas, como sabemos, casamentos não são para sempre e o peso social desse acordo penderá, a começar pelas questões ligadas à violência nas fronteiras e tráfico de drogas e de produtos piratas. Nesse momento, questionarão sobre o risco de terem apostado em um único cesto para colocar todos os seus ovos.
- A China, uma ex-quase-ex-comunista, com regime totalitário altamente questionável, inclusive frente a questões básicas humanistas, é um símbolo de ausência de regras claras e respeitadas e de transparência.
Por isso, “apesar de parecer maluco”, sob o ponto de vista institucional, de branding para o Brasil, está certo quando o presidente Lula (análise aqui sem qualquer defesa ou apoio político) incentiva a seleção de futebol a jogar no Haiti e “parar” a guerra. Essa mensagem é boa. A seleção brasileira é a nossa cara, o nosso jeito, como é reconhecido. E é sinal de vitória, de liderança, arquétipo de sucesso.
Está certo quando nosso maratonista Vanderlei da Silva perdoa o ex-padre irlandês que o atrapalhou em sua corrida para o ouro olímpico; porque o ouro seria “só” um ouro, mas esse ato é uma mensagem do que é “ser brasileiro”.
Está certo quando assumimos posição e voz de líderes desse bloco intermediário BRIC, querendo negociar parcerias com todos os países, dos mais desenvolvidos, aos mais pobres, oferecendo acordos comerciais com Oriente Médio, com Leste Europeu, com a Ásia Amarela e até com Cuba, por que isso mostra que somos abertos, temos posição, mas respeitamos a dos outros (apesar do evento Irã ter sido, ao contrário dos exemplos acima, um grande escorregão institucional… porque flertar com o terrorismo ultrapassa barreiras aceitáveis).
É inteligente ser plural, aceitar lidar com a diversidade e negociar com ela. Vale ficarmos próximos da Comunidade Européia, mas é melhor ainda fazermos bons acordos na ALCA, pois os EUA são o maior mercado, de fato.
Devemos continuar sim dizendo a que viemos, colocando nossos interesses nas mesas de negociações internacionais, como da OMC, nos revoltando contra desigualdades, medidas unilaterais e subsídios do tipo concorrência desleal, sem parecermos ingênuos, fundamentalistas ou burros.
Está certo quando emprestamos dinheiro para a África e fazemos ações sociais nos países cheios de mazelas, porque tudo isso faz parte da agenda de quem quer ser líder.
Pois ser líder não é fácil e nem simples. É um desafio para poucos. E também é um processo que se constrói com o tempo, com equilíbrio, sensatez e consistência.
Um líder se apresenta aos demais, porque representa os demais. E o Brasil tem tentado fazer isso, de FHC a Lula, com muitos erros, mas também com muitos acertos. Portanto, que melhorem os ventos da PAZ, interna e externa, e que a usemos, assim como a nossa cultura, como ativos negociais do Brasil na hora de mostrar aos outros o quão atrativos somos como país, povo e mercados.