Isto é Dinheiro – Junho, 2016
Como o empreendedor japonês Masayoshi Son, fundador do grupo Softbank, está criando um competidor global ao mais popular aplicativo de transporte do planeta
A Uber se transformou na startup mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 68 bilhões, por conta da sua rápida expansão global. Com pouco mais de oito anos de vida, o aplicativo de transporte criado por Travis Kalanick está presente em mais de 600 cidades de 80 países. Nessa curta trajetória, no entanto, a empresa colecionou não só polêmicas, mas também clones ao redor do planeta. E não foram poucos. Nos Estados Unidos, o competidor é o Lyft. No Brasil, a 99 está se posicionando para enfrentar a Uber. A Índia conta com a Ola.
No sudeste da Ásia, em países como Vietnã e Filipinas, o Grab cresceu. Na China, a Didi Chuxing conseguir varrer a Uber do mapa, comprando sua operação. Nenhum deles, no entanto, atingiu a escala global da companhia com sede em São Francisco, no coração do Vale do Silício, na Califórnia. Pode-se, então, concluir que a Uber não tem um concorrente global? É ainda uma conclusão precipitada. Por trás das cinco startups citadas anteriormente está o grupo japonês Softbank, dono de empresas de telecomunicações e internet no Japão e da Sprint, nos EUA.
O Softbank, fundado por Masayoshi Son, fez investimentos bilionários de forma direta ou indireta nesses aplicativos de transporte, criando um rival global informal à Uber. Segundo levantamento realizado pela DINHEIRO, com base nos dados do Crunchbase, o Softbank aportou US$ 7,3 bilhões nessas cinco empresas (confira quadro “Vou de aplicativo” ao final da reportagem). A Uber, até agora, já levantou US$ 11,5 bilhões em recursos em 16 rodadas de investimento de 78 investidores. “O Softbank está sendo muito agressivo e, aparentemente, organizando um competidor internacional à Uber”, afirma Rob Enderle, principal analista da consultoria americana Enderle Group.
Não está claro qual será a cooperação que haverá entre as cinco startups que enfrentam a Uber. O Softbank pode pensar nelas como exércitos do jogo de tabuleiro War, no qual o jogador precisa ganhar territórios para vencer a guerra. A Didi Chuxing, por exemplo, já é dominante na China. Na Índia, a Ola está à frente da empresa de Kalanick. O aplicativo indiano estava presente em 102 cidades e contava com 450 mil motoristas, segundo dados do ano passado. A Uber havia chegado em 26 cidades e tinha 250 mil motoristas.
A Grab, que tem forte presença no Vietnã e na Filipinas, completa as peças do Softbank na Ásia. Nos Estados Unidos, país de origem do aplicativo de transporte, a Lyft está bem atrás, com uma fatia de 25% do mercado. Mas ela conta também com o apoio da fabricante de carros General Motors, que investiu US$ 1 bilhão na startup, no ano passado. “Não é certeza de que essa estratégia dará certo”, diz Daniel Domeneghetti, CEO da consultoria brasileira DOM Strategy Partners. “O Buscapé tentou integrar diversos sites de buscas de outros países e não conseguiu.”
A brasileira 99, fundada pelos empreendedores Renato Freitas, Ariel Lambrecht e Paulo Veras, tem a missão de conquistar a América Latina para o Softbank. Desde que recebeu US$ 200 milhões em investimentos da Didi Chuxing e do Softbank, a 99 está alocando todos os recursos no Pop, o serviço de motoristas profissionais. No começo do ano, o “Uber da 99” estava apenas em São Paulo, onde contava com cinco mil motoristas. Hoje, o número foi ampliado para mais de 30 mil. Atualmente, além da capital paulista, ele chegou ao Rio de Janeiro e a Santos – esta última começou a operar em 12 de junho.
Até o fim do ano, o plano é estar em mais nove cidades, totalizando 12 municípios. O avanço para outros países da América Latina deve ser o próximo passo da 99. Recursos não devem faltar para os rivais globais informais da Uber. O Softbank anunciou, em maio, a criação do Vision Fund, o maior fundo de investimento da história, que deve atingir US$ 100 bilhões – quase a totalidade desse valor, US$ 93 bilhões, já foi captado com investidores da Arábia Saudita, de Abu Dhabi e com a Apple e a Qualcomm.
Para se ter uma ideia, os recursos superam todos os investimentos feitos pelos fundos de capital de risco americanos em 2016 (veja quadro abaixo). O fundo de Masayoshi Son é ainda equivalente a quatro Silver Lake ou quinze Sequoia Capital, dois dos principais do Vale do Silício, que investiram na fabricante de carros elétricos Tesla e no aplicativo de mensagens WhatsApp, respectivamente. Com tanto dinheiro, Masayoshi deve se transformar no maior investidor de tecnologia do mundo em 10 anos.
“Observamos um big bang com os PC, observamos um big bang na internet”, disse Son em uma conferência com acionistas, em maio deste ano. “Acredito que o próximo big bang será ainda maior.” Os recursos devem ser usados em empresas de inteligência artificial, robótica, dispositivos conectados, satélites e na integração de computadores e humanos. “Estou há 60 anos na Terra e ainda não realizei nada de que possa me orgulhar”, afirmou recentemente Son. Quando era criança, o empreendedor japonês escrevia em um bloco as novas invenções que esperava criar um dia. Agora, ele tem a chance de moldar o futuro com seu fundo bilionário.
O acerto de contas da Uber
A Uber começou a acertar as contas consigo mesma. Na semana passada, a startup de US$ 68 bilhões, a mais valiosa do mundo, deu o primeiro passo para consertar a sua torta cultura corporativa, demitindo funcionários, afastando altos executivos e levando o seu fundador e CEO, Travis Kalanick, a tirar uma licença por tempo indeterminado. Kalanick deixa o comando sob a justificativa de que precisa de um tempo para se recuperar, depois que sua mãe morreu em um acidente de barco, no fim de maio, na Califórnia.
Essa foi uma trágica coincidência para afastar Kalanick da direção da Uber, considerado por muitos como o responsável por essas derrapadas da companhia. “Preciso refletir, trabalhar em mim mesmo e focar em como posso construir um time de lideranças de nível mundial”, escreveu Kalanick, em uma carta aos funcionários da empresa, na terça-feira 13, informando que a empresa será comandada por um grupo de diretores. Um relatório de apenas 13 páginas elaborado pela consultoria Covington & Burling, contratada pela Uber, traçou um cenário devastador da startup.
Ela foi descrita como uma empresa dominada por homens e que cresceu sem os mais básicos procedimentos para evitar casos de assédio sexual, bullying e outros problemas morais. Com base em investigações, mais de 20 funcionários foram demitidos, entre eles o diretor Emil Michael, considerado o braço direito de Kalanick. O conselheiro David Bonderman também renunciou ao cargo, após fazer comentários sexistas na reunião que discutia justamente o relatório. Em nota, Bonderman disse que fez “comentário inapropriado” sobre mulheres, sem revelar o conteúdo.
O advogado e ex-procurador geral dos Estados Unidos, Eric Holder, autor do relatório, faz sugestões simples, como uso de avaliações de desempenho dos líderes e a exigência dos funcionários apresentarem recibos de despesas para reembolso. Ele também sugeriu que a Uber promova a inclusão no ambiente corporativo, diversificando sua força de trabalho. Atualmente, há baixo número de mulheres e de representantes das minorias na startup.
“Vamos melhorar nossa cultura, promover a justiça e a responsabilidade, e estabelecer processos e sistemas para garantir que os erros do passado não se repetirá”, disse Liane Hornsey, chefe de recursos humanos da Uber. Com as mudanças, o discurso corporativo começa a passar a mensagem de que surge uma nova Uber. Em sua carta, Kalanick a chamou de Uber 2.0. Agora, a fase mais difícil começa: as palavras e discursos precisam se tornar práticas reais. Só assim se saberá se a Uber conseguirá traçar um novo caminho para a sua trajetória.