Se entendermos as macrocrimes econômicas globais, a exemplo da que vivemos hoje em dia, como o efeito inesperado (com resultados altamente negativos) das diversas ações “racionais” encadeadas, ao longo do tempo, pelos agentes econômicos em seus mercados, ações essas que, muito provavelmente, até pouco tempo produziam resultados positivos para esses agentes, podemos inferir que esse tipo de macrocrime está fundado em dois pilares centrais, potencializados por um terceiro pilar:
- Pilar 1: Ignorância – ou a incapacidade humana de prever as reações do todo (mercado) às suas ações e, portanto, controlar seus desvios importantes;
- Pilar 2: Ganância – ou a repetição continuada da aplicação da imprudência nas decisões dos agentes econômicos, lastreadas na obsessão por resultados de curto prazo (que, para iludir, ocorrem, de fato, por um determinado período de tempo);
- Pilar 3: Interdependência – os mercados estão todos interligados globalmente, seja monetariamente (padrão dólar ou euro), seja regulamentarmente (práticas contábeis, legislações, etc), seja em termos de recursos, capital, tecnologias, línguas, cultura, consumo, etc, o que se traduz em alto potencial de efeito dominó quando elos se rompem, derivando em sequenciais crises locais.
Nassim Taleb, em “Iludidos pelo Acaso”, define o sábio investidor/gestor estrategista da seguinte maneira: “Os deuses percebem coisas do futuro, as pessoas comuns no presente e, os sábios percebem as coisas prestes a acontecer.”
Olhando claramente para a atual crise, parece que poucos foram sábios. A extinção dos agentes econômicos menos preparados, antes líderes do ecossistema vigente, é um caminho natural na evolução dos modelos de negócio, porque macrocrimes econômicas geram rupturas e mutações relevantes no ecossistema vigente, tornando-o totalmente direcionado por forças (drives) diferentes dos anteriores. Ou seja, os skills competitivos demandados aos agentes econômicos pelo novo ecossistema são diferentes do que os que eles atualmente detêm.
Por mais que os resultados e cenários macroeconômicos ditem condicionantes que afetam diretamente a microeconomia, sempre há espaço para o aproveitamento estratégico pontual de oportunidades que se abrem nessas conjunturas, seja pela extinção de concorrentes, seja pela forçosa mudança no grau de flexibilidade e adaptabilidade imposta pela nova realidade ou ainda pela “gordura” acumulada em tempos de bonança que permitem uma sobrevida estratégica e necessária para que as adequações necessárias ao novo ecossistema sejam realizadas.
O planejamento estratégico que, via de regra, é um exercício teórico de construção de modelos de ação-resposta sobre realidade(s) ou cenário(s) futuro(s), torna-se o principal diferencial competitivo ou o grande mapa do fracasso corporativo, quando colocado à prova em tempos de crise. Afinal, estratégia boa é aquela que funciona na vida real.
Projetar a evolução do negócio, tradicionalmente, tem como base a linearidade de ações e reações analisadas no passado e projetadas para o futuro. Porém, o conforto de cenários lineares transforma-se no pesadelo da realidade caótica quando eventos imponderáveis bagunçam a lógica estabelecida.
Investir em estratégias ganhadoras, maduras e consagradas não basta, porque estas geralmente funcionam no ecossistema que está desmoronando. O jargão largamente sabido de que resultados passados não garantem ganhos futuros é subjugado por otimismos irracionais, visão curta e linhas estratégicas unidirecionais. E o efeito disto todos conhecemos.
A análise de cenários, prática de suma importância estratégica, como instrumento de tangibilização lógica do acaso, deve prover a capacidade mínima de antecipar, compreender e gerir eventuais acontecimentos que possam colocar a sobrevivência da empresa em questão.
O que vemos comumente é a elaboração de cenários em seu escopo mínimo de impacto – o financeiro, em que se projetam resultados que derivam de variações positivas e negativas dos aspectos de negócios (os tradicionais best case, most likely e worst case scenarios).
Entretanto, planos de ação corretivos, metodologias e iniciativas adaptativas, para serem colocadas em prática, caso acontecimentos inesperados assim ocorram, geralmente são produzidos quando o fato já ocorreu… ou ainda não ocorreu, mas já foi identificado como tendência. Ou seja, a estratégia sai do nível estratégico e cai direto no nível operacional de curto prazo.
Este contexto exige reações urgentes, geralmente com alto impacto em custos, demanda por novos investimentos não programados ou ainda desinvestimentos indesejados. Este momento é recheado de achismos, inseguranças e decisões tomadas com pouco embasamento factual, o que potencializa o desgaste físico e psicológico dos colaboradores, causa mácula na credibilidade do Top Management e eventualmente rusgas com os acionistas e clientes, dentre outros fatores. Entretanto, o fator mais negativo deste momento pode estar na perda das potenciais oportunidades geradas por lacunas decorrentes das crises, seja pela incapacidade de identificá-las, seja pela incapacidade de explorá-las..
O grande desafio de qualquer empresa é minimizar os efeitos das variáveis aleatórias e das causalidades que podem afetar o negócio. As empresas mais aptas ao ecossistema em que estão são as que sobrevivem e triunfam… e elas não necessariamente são as maiores ou as mais antigas. Em suma, uma empresa mais apta é aquela preparada para vir a ser, ou a fazer, algo que hoje não é, ou não faz. Quem disse que Darwin estava errado?