“O presidente da montadora japonesa Toyota, Akio Toyoda, se desculpou publicamente pelo megarecall que a empresa anunciou e atingiu cerca de 8,1 milhões de veículos — mais do que as vendas totais do grupo no ano passado. (…) A empresa informou ontem que o custo do megarecall pode chegar a US$ 1,98 bilhão, sendo US$ 880 milhões somente em vendas perdidas.” (Fonte: Folha Online 05/02/2010 – 10h58).
A pergunta básica que emerge do trecho acima é: Como uma empresa, referência em qualidade e confiabilidade e reconhecida por seu modelo de gestão acabou enfrentando uma situação como esta?A resposta está em um trecho extraído do próprio website da empresa, conforme imagem abaixo:
Aumentar o Market Share poderia destruir valor?
Um dos principais objetivos de toda e qualquer empresa é o aumento das vendas, pois através dele a empresa é capaz de viabilizar projetos de expansão, gerar valor para acionistas, fazer investimentos e gerar mais empregos. Sendo assim, seria contraproducente e paradoxal criticar uma empresa por estabelecer como estratégia (ou parte relevante dela) o aumento da participação de mercado.
- Mas, poderia um direcionamento estratégico que prevê aumentar a participação de mercado causar a destruição de valor?
- Que lições podem ser extraídas dos recalls da Toyota?
O objetivo desse artigo é tentar vislumbrar os erros estratégicos que recentemente abalaram uma das maiores empresas do mundo. A seguir os três principais erros.
Erro 1: Foco Excessivo, Desatenção & Trade-Offs
O conceito de Trade-Off nos ensina que a escolha de algo implica, necessariamente, na abdicação de outra(s) coisa(s). Afinal de contas, os recursos – pessoas, dinheiro, tempo e tecnologia – são escassos e não é possível ser ou obter tudo ao mesmo tempo.
Ao decidir-se que seu objetivo primário era (é) o aumento das vendas, a Toyota implicitamente concordou em não dar atenção devida a outras áreas importantes.
Ao focar seus recursos no aumento de vendas, a empresa teve que dedicar menos recursos a ‘outras questões estratégicas e operacionais importantes’. Esse é um dilema inerente a qualquer decisão.
O problema com a Toyota foi que as ‘outras questões estratégicas e operacionais importantes’ referem-se a seus ativos intangíveis mais valiosos, como: Marca, Confiabilidade e Transparência (3 elementos centrais que constroem a Reputação de uma empresa). Este foco estratégico estreito resultou em “pouca atenção” e “descuido” com esses ativos causando a destruição de valor da empresa, conforme pode ser visto no gráfico abaixo.
As ações da empresa se desvalorizaram em 15% enquanto que o índice S&P 500 valorizou-se, no mesmo período, 20%.
A partir do artigo “Os 10 Mandamentos da Gestão de Intangíveis” é possível apreender lições que permitem evitar erros como esse:
- Reconheça que os ativos intangíveis existem e compreenda sua natureza;
- Reconheça a relevância estratégica de seus ativos intangíveis e;
- Contextualize-os em sua estratégia corporativa (objetivos, metas, orçamentos, etc).
Erro 2: Ajuste da Execução & Visão de Curto Prazo
Ao não considerar eventuais consequências indesejadas oriundas da opção pelo crescimento desenfreado, a Toyota deu um exemplo de como não se realizar um planejamento e execução adequados.
Como a empresa pôde deixar isso foi acontecer?
Como sabemos, associadas à execução da estratégia existem diversas outras atividades, tais como: definição de metas, alocação de recursos, monitoramento e definição de políticas de remuneração. Tais atividades devem auxiliar o alcance dos objetivos da empresa.
A questão com a Toyota é que o primeiro erro (foco excessivo) foi amplificado no momento de execução da estratégia. A empresa parece ter estruturado o conjunto de atividades definido acima excessivamente orientado ao aumento das vendas e, portanto, negligenciou as tais outras questões importantes.
Reportagens e análises da imprensa especializada apontam que a empresa deixou para 2º. plano questões como: Atendimento Pós-Venda e Inspeções de Qualidade – áreas na qual a empresa sempre foi tradicionalmente reconhecida. A razão disso é simples: ao serem avaliados e recompensados exclusivamente sobre vendas, os esforços da empresa sempre recairão sobre essa área.
[A mesma razão tem sido apontada como uma das principais causas da última crise econômica. Sistemas de remuneração baseados exclusivamente em métricas de curto prazo podem causar problemas indesejados no futuro].
Desse fato, somos capazes de apreender mais uma lição. O 9º Mandamento Planejamento Estratégico Corporativo (PEC) define a importância de Selecionar KPIs alinhados ao Modelo de Gestão. O modelo da Toyota é claramente assentado na equação: Eficiência + Qualidade = Clientes Satisfeitos. Nesse caso, parece-nos que o desdobramento do planejamento na execução minimizou essa equação.
Erro 3: Miopia e Surdez
De acordo com o jornal LA Times, desde 2005 a empresa já estava ciente do aumento expressivo do número de reclamações nas concessionárias norte-americanas sobre os aceleradores. Em 2007, o mesmo problema apareceu na Europa.
Normalmente, esses teriam sido prenúncios suficientemente claros de que algo maior estava para acontecer. Consumidores alegaram que a Montadora e suas Concessionárias simplesmente ignoraram a questão. Teria a montadora se repousado sobre os louros e “estacionado” sobre sua “zona de conforto”? Acreditamos que não.
A análise dos relatos dos executivos da Toyota aponta para falhas no sistema de comunicação e no monitoramento do consumidor. De qualquer maneira, os executivos ignoraram por muito tempo o problema e foram lentos ao (re)agir. Uma equipe qualificada deveria ter se debruçado sobre os dados para compreender a causa-raiz dos problemas e prever as futuras conseqüências e ações mitigantes.
Aqui, a partir do artigo “Os 10 Trabalhos do CEO Moderno“ é possível se extrair algumas lições que permitem aos executivos resolver problemas como esses:
- Priorize o Cliente tanto quanto o Acionista;
- Compreenda e monitore obsessivamente seu Entorno Competitivo;
- Gerencie o Curto e Longo Prazo racionalmente e em equilíbrio.
Conclusão:
Na década de 2000, a Toyota iniciou uma corrida para se tornar a maior montadora do mundo. Em 1999 a empresa fabricou 4,8 milhões de veículos (carros e caminhões). Em 2008, quase o dobro – 8,5 milhões.
Os indícios são claros. A empresa tornou-se obcecada com seu crescimento e se esqueceu de sua cultura corporativa, seus valores e seus clientes. No entanto, como não somos “profetas do acontecido”, segue o restante da tradução do depoimento do próprio CEO da empresa, Sr. Akio Toyoda, ao Senado dos EUA, em fevereiro de 2010:
“Gostaria de salientar aqui que a prioridade da Toyota tem sido tradicionalmente a seguinte: primeiro, a segurança, em segundo lugar, a qualidade e em terceiro lugar, volume. Essas prioridades se confundiram e não fomos capazes de parar, pensar e fazer melhorias, tanto quanto pudemos antes e nossa capacidade de escutar as vozes dos clientes para criar melhores produtos enfraqueceu um pouco.
Perseguimos o crescimento acima da velocidade em que fomos capazes de desenvolver os nossos funcionários e nossa organização e estamos conscientes disso. “Lamento que isto tenha resultados nos problemas de segurança que enfrentamos hoje e estou profundamente arrependido por quaisquer acidentes que os condutores Toyota tenham experimentado.”
As consequências de um mau planejamento estratégico são severas para todos os stakeholders da empresa. Pior ainda quando é bem executado. Consumidores experimentam produtos de baixa qualidade, acionistas e parceiros perdem dinheiro e reputações de marca e de executivos são comprometidas.
Boas empresas consertam seus erros. Ótimas empresas aprendem com eles.
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