O sucesso de uma empresa depende da capacidade de desenvolver competências e da qualidade da execução. É o famoso consenso de se ter “a pessoa certa no lugar certo”, fazendo o que faz melhor (maximizando seus skills), somado ao fato de esta pessoa ter as condições, ambientes, políticas e incentivos ideais para performar acima da média de seus pares e concorrentes.
Conseguir exercer a prática desse consenso, entretanto, exige um trabalho enorme de gestão de pessoas, que vai do alinhamento estratégico e da profunda compreensão de quais perfis de pessoas são necessárias para quais desafios, responsabilidades e tarefas, até a existência de modelos de seleção, gestão, incentivos, valorização, reconhecimento e bonificação destes talentos… um trabalho que pode se resumir na frase simplista – simplicidade esta que pode ser muito complexa – de Jack Welch “gerir pessoas nada mais é que saber desafiá-las, remunerá-las e celebrá-las”.
Clemente Nóbrega, em seu livro “Empresas de Sucesso, Pessoas Infelizes?”, acrescenta que estes três verbos não têm sido bem exercitados nas empresas, pois a “tal gestão de pessoas” não consegue gerar os resultados esperados.
No fundo, a resposta é tanto simples, como incômoda: os atuais modelos de gestão de talentos ignoram a verdadeira natureza do animal humano, preferindo idealizar uma entidade fictícia, inexistente no mundo real. Segundo Clemente, a persona corporativa é bem diferente do que se idealiza como ser-humano do bem, tão valorizado nos programas tradicionais de motivação, qualidade de vida e relacionamento no trabalho. O ser-humano se sabota, porque “inventa um anjo frágil, de índole boa, que faria tudo certo se não estivesse desorientado e oprimido por um ‘sistema’ injusto e massacrante”.
Isso, somado ao fato de as empresas não possuírem processos claros de valorização e bonificação dos melhores – da ausência da meritocracia – abre espaço para o protecionismo e para mecanismos de decisão viciados que contribuem para a criação de um clima de desmotivação, senso de injustiça, falta de comprometimento, perda de foco e autossatisfação em se fazer apenas o básico, ou seja, um ambiente em que há “mais calor que luz”.
No Brasil, um case de “como fazer” pessoas gerarem mais resultados é o da Ambev, vencedora das edições do Prêmio Intangíveis Brasil (PIB) em 2007 e 2008 na Categoria Talentos. A empresa brasileira é reconhecida pela alta competitividade interna, mas mais ainda pela – tão perseguida – meritocracia que conseguiu implementar. A meritocracia também foi um dos pilares da filosofia de Jack Welch como principal executivo da GE. Vale a pena reproduzir parte do texto da Ambev que explica sua cultura corporativa:
Atraímos, desenvolvemos e mantemos as melhores pessoas:
- Pessoas excelentes e bem treinadas serão sempre o nosso diferencial competitivo mais importante. Além disso, gente excelente sempre atrai mais gente excelente.
- Procuramos sempre recrutar gente melhor que nós. Preferimos ser empurrados a ter de empurrar as pessoas.
- O “ambiente AmBev” de informalidade, simplicidade e meritocracia atrai e mantém pessoas excelentes.
- Proporcionamos caminhos livres para que as pessoas cresçam em velocidades condizentes com os seus talentos, esforços e resultados, sem nenhum tipo de restrição ou favorecimento: é a meritocracia.
- Estimulamos a criatividade da nossa gente e valorizamos as soluções aplicáveis. Compreendemos os “erros honestos”, aqueles cometidos em busca de inovações e melhorias.
- Reconhecemos, celebramos e premiamos o êxito. Encaramos o erro como oportunidade de aprendizado.
- Vemos a avaliação de desempenho como uma ferramenta para crescimento pessoal e profissional de avaliadores e avaliados. Valorizamos cada oportunidade de utilizá-la.
- Acreditamos que, além da competência técnica e gerencial, o crescimento profissional consistente exige a habilidade de lidar com pessoas.
- Agimos como donos e somos reconhecidos como tal.
- Queremos sempre ter donos em todas as áreas da nossa empresa e não apenas “executivos” ou “profissionais”.
- O dono sempre decide melhor, pois é a “sua empresa” que está em jogo.
- O nosso sistema de remuneração variável nos dá a sensação de donos do negócio: se a empresa vai bem, os que contribuíram para isso vão bem; se a empresa vai mal, todos sofrem.
- Atuamos como líderes. Lideramos pelo exemplo pessoal.
- Acreditamos no velho ditado romano: “as palavras convencem, mas o exemplo arrasta”.
- Para liderar é preciso conhecer e entender as pessoas, os processos e os mercados. Entende-se melhor aquilo que se vê.
Seu programa de trainee goza de alto nível de reconhecimento no mercado. Principal porta de entrada de profissionais na companhia, o disputado Programa Trainee AmBev oferece oportunidades reais de ascensão profissional e já formou mais de 500 profissionais que ocupam hoje importantes posições na cervejaria. Um detalhe: não já limite de número de vagas. A empresa contrata todos os candidatos que tenham perfil adequado para seu quadro de funcionários.
Cerca de 80% dos profissionais selecionados estão atualmente em cargos gerenciais, incluindo o presidente geral da companhia, que entrou na primeira turma em 1991. Chance de carreira internacional também é um mérito do programa, já que cerca de 25% dos funcionários que atuam no exterior são ex-trainees.
Ao ser selecionado, o trainee já passa a integrar o time da empresa. O treinamento de 10 meses se divide em três fases: vivência nas unidades fabris e comerciais, treinamento corporativo estratégico sobre a empresa e treinamento dirigido para área que escolheu trabalhar.
Para estimular a capacitação e garantir o aprimoramento contínuo da Gente Ambev – como são chamados os colaboradores -, a Universidade Corporativa AmBev integra todos os programas de treinamento e aprendizagem da companhia. Há cursos via e-learning, em salas de aula e também a TV Universidade AmBev, que conta com tecnologia de comunicação integrada. A TV atinge funcionários e parceiros em todo o país e permite que o treinamento seja feito simultaneamente em qualquer local do país por meio de transmissões via satélite.
Resumindo: muito do sucesso da gigante global de bebidas – há anos sua taxa média de crescimento é de dois dígitos – pode ter como “culpados” uma cultura da meritocracia sem exceções (o lema lá é “tolerância zero”), a crença de que os funcionários têm de se sentir donos do negócio e recompensa por resultados atingidos. Há outros ingredientes, como um programa de carreiras que realmente funciona – pessoas trabalham por longos anos galgando postos.