A crise global afeta TI. Isso é óbvio. Mas em que proporção? Com que derivadas?
Primeiramente, precisamos qualificar esta crise global e sua origem.
Ao contrário de outras crises, como a pontocom, por exemplo, a atual crise global é, de fato, global. A crise pontocom foi impactante, mas era setorial e geograficamente limitada: setor de internet nos EUA. As crises de México, Rússia e Tigres Asiáticos, da década de 90, foram importantes, mas estavam vinculadas a países que se podia esperar algum nível de inconsistência econômica – por isso, chamados emergentes. Esta, ao contrário, começa no coração do sistema financeiro global – o norte-americano –, historicamente seu lastro e seu bastião de credibilidade e solidez, e se espalha por toda periferia, atingindo a todos os países em alguma proporção. Por quê? Porque a economia hoje respira níveis de entrelaçamento e interdependência extremamente elevados, o que provoca o chamado efeito dominó, muito evidenciado porque a peça que tombou primeiro foi a mais pesada (a americana).
Todas as empresas norte-americanas estão no mundo, todas as empresas do mundo querem vender aos americanos (maior mercado global em praticamente tudo que se vende), todos os governos se lastreiam na economia americana de alguma forma (o dólar ainda é a moeda internacional), todos querem emprestar para os EUA, todos os bancos dos EUA emprestam/financiam empresas e governos no mundo, e assim por diante. Não dá para torcer contra os EUA, porque isso é torcer, neste momento, contra nós mesmos. Uns dizem que a China se beneficiaria com a crise americana. Idiotice. A China é, hoje, o maior credor da economia americana e o mercado americano o maior consumidor dos produtos chineses.
E porque a crise. Bom. Aí o buraco é mais embaixo. Minha tese resvala no conceito de Dilema da Confiança Positiva, conceito que criei há um tempo e que vejo fortemente presente neste episódio.
Explico: em economia, como em qualquer situação em que a dinâmica das relações e transações se baseia na luta pela conquista de recursos escassos, não é possível aceitar que todos ganhem, simultaneamente, por muito tempo. Essa tese, vendida pelos bancos americanos, pelo governo americano, e comprada por todos os países do mundo, inicialmente é reforçada pelo que chamo de bolha da felicidade, fenômeno que engana porque “mostra resultados” no curto-prazo.
Em outras palavras, quando se começa a formar a imagem positiva da economia – de futuros excelentes para todos – a movimentação econômica desses agentes, que acreditam nessa imagem de nirvana – traduzida em mais financiamento, crédito e consumo -, de fato, eleva os níveis de atividade econômica gerando riqueza, aumentando a produção, trazendo ganhos para diversos desses atores – na maioria das vezes os atores do setor financeiro, como bancos, financeiras, seguradoras, etc.
Ocorre que, com o tempo (e não é muito tempo), este sistema de alavancagem lastreado mais em boas notícias e percepções inflacionadas, se esquece de que sua raiz não é sólida, mas especulativa, como um arranha-céu que se constrói sobre a areia. Para piorar, os bancos, atores que cedem o dinheiro para essa ciranda positiva e fazem o sistema girar, se lastreiam uns nos outros, o que acentua ainda mais o processo de interdependência e, portanto, do efeito dominó (ex: dos 5 grandes bancos de investimentos norte-americanos, somente o Goldman Sachs hoje parece suportar a crise).
Fato é que a crise chegou ao Brasil, mesmo que alguns não queiram assumir o fato publicamente. 50% do valor das empresas brasileiras listadas já virou pó. Vai sobrar a economia real para contar história. Acontece que ninguém consegue definir com clareza o que é real e o que é especulativo nesse momento.
O mercado de TI global – e nacional – não passará incólume. O Setor de TI é mercado impregnado de P&D, altamente dolarizado e de dinâmica global, ou seja, todos os ingredientes que definem os contornos de um mercado que deve sofrer bastante, principalmente em seus vetores hardware, infraestrutura e licenças de software.
Para o CIO, aprender a navegar nesse momento é fundamental. Primeiro, porque boa parte dos CIOs responde aos CFOs, hoje imersos na ciranda de notícias negativas do mercado. Portanto, procurar aprovar grandes orçamentos e novidades para alguém que não sabe como ficará o dia de amanhã – e que, pior, tem a prerrogativa de ter a resposta – não é uma boa estratégia. Depois, porque quase tudo que se compra em TI em termos de hardware e licenças é lastreado em moeda americana. Portanto, comprar tecnologia hoje não é algo tão corriqueiro. Tenho notícias que mais de 50% das vendas feitas em Setembro pelos grandes produtores/distribuidores de software e hardware estão passando por reajustes de valor.
Talvez o segredo seja se focar nos próximos 8 meses (até H1/09) em serviços e integração. Talvez seja hora de melhorar processos, se concentrar em “opexizar” ao máximo a operação da TI, terceirizando o que der, alugando o que der, deixando a infraestrutura mais leve e fluida.
Cuidado ao fazer o seu planejamento de TI para 2009 e a estratégia que adotará para construir seu orçamento. E fique alerta com as metas que vai aceitar no seu BSC-TI ou similar. A crise passará um dia. Por ora, o maior desafio é sobrevivermos a ela como empresas e como profissionais. Neste momento, a estratégia caldo de galinha parece ser a mais adequada. Cozinhe, mexa, não pare… mas não mexa demais, não tempere demais, não invente receitas!