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Isto é Dinheiro – Janeiro, 2017

Empresas digitais ascendem ao topo das mais valiosas do planeta. Mas isso é apenas o começo. Novas tecnologias estão provocando mudanças no comportamento do consumidor e chacoalhando a economia tradicional

Poucos conhecem a história do físico americano William Shockley. Em 1955, ele deixou a rica Costa Leste dos Estados Unidos e mudou-se para a bucólica Mountain View, na Califórnia, para ficar próximo à sua mãe doente. Físico brilhante, ganhador do Prêmio Nobel no ano seguinte, muitos cientistas o acompanharam. Junto com Shockley, os pesquisadores abriram a primeira empresa de semicondutores, item vital para a indústria dos computadores, na região que posteriormente veio a ficar mundialmente conhecida como Vale do Silício. Shockley, no entanto, era uma mente incrível, mas um péssimo chefe. Tanto que oito de seus melhores funcionários, chamado por ele de “oito traidores”, pediram demissão e criaram a rival Fairchild Semiconductor. Tempos depois, eles se separaram e fundaram novas empresas, entre elas a Intel, uma das responsáveis pelo boom da microinformática nas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, cerca de 100 companhias com ações em bolsa de valores têm o DNA da Fairchild.

Eis, em poucas palavras, o resumo da origem do Vale do Silício, que fica ao sul da baía de São Francisco, composto de cidades como Palo Alto, Santa Clara, San Jose, Mountain View e Cupertino. Ao longo das últimas sete décadas, a região deixou de ser apenas uma paisagem campestre para se transformar em um dos locais com a maior concentração de empresas de tecnologia e internet por metro quadrado do planeta. É nesse espaço de aproximadamente quatro mil quilômetros quadrados, o equivalente a três vezes a cidade de São Paulo, onde estão reunidos os novos donos do dinheiro: Tim Cook, da Apple; Larry Page, do Google; Mark Zuckerberg, do Facebook; Jeff Bezos, da Amazon; e Bill Gates, da Microsoft, o homem mais rico do mundo.“Na corrida do ouro, no século 18, nos EUA, ficou rico quem vendeu pá e picareta”, diz Daniel Domeneghetti, CEO da consultoria brasileira DOM Strategy Partners. “Na economia digital, quem está ganhando dinheiro são os fornecedores de ferramentas, como Apple, Google, Microsoft e Facebook.”

A pedido da revista DINHEIRO, a Thomson Reuters Eikon fez um levantamento comparando as empresas mais valiosas das bolsas de valores Nasdaq e Nova York, ambas dos EUA, no fim de 1997 e 2016. Os dados mostram que companhias tradicionais como Coca-Cola, Merck, Shell e Unilever perderam espaço para as da economia digital. Nos últimos 19 anos, apenas Microsoft, Exxon Mobil e General Electric (GE) conseguiram se manter nas top 10. Das dez maiores, atualmente, cinco delas são do setor de tecnologia: Apple, Alphabet (Google), Microsoft, Facebook e Amazon. Juntas, elas valem US$ 2,3 trilhões, resultado 43% maior do que as outras cinco da economia tradicional. “As empresas de internet desfrutam de margens nas quais a GE só pode sonhar”, afirma Rob Enderle, analista principal da consultoria especializada em tecnologia Enderle Group. “Elas atingem bilhões de pessoas, o que faz aumentar seus valores de mercado.”

Cada uma dessas empresas soube aproveitar uma das quatro etapas que a internet passou até agora. Na primeira, as grandes estrelas eram os provedores de acesso, como a AOL. “Dessa fase, não sobrou quase ninguém”, diz Domeneghetti. Depois veio a onda do varejo virtual, no qual a americana Amazon e a chinesa Alibaba se sobressaíram e venceram a batalha. Em seguida, chegou a vez das buscas, das redes sociais e dos aplicativos, que elevaram Google, Facebook e Apple ao Olimpo da inovação. Agora, os negócios online entram em um estágio que mistura a estrutura digital à física, abrindo espaço para novos candidatos. Os expoentes desse novo ciclo são as empresas da economia do compartilhamento, como os aplicativos de transporte Uber, que vale US$ 68 bilhões, a startup mais valiosa do mundo, e de turismo Airbnb, avaliado em US$ 30 bilhões. Somam-se a elas companhias que estão chacoalhando os alicerces de diversos mercados, como o de entretenimento e o de telecomunicações. Os destaque desse cenário são os serviços de streaming de vídeos e de música, como os da americana Netflix e os da sueca Spotify, respectivamente, e o aplicativo de mensagens WhatsApp, do Facebook.

Serão essas empresas as próximas Apple, Google e Facebook? Há enormes desafios pela frente para roubar o trono desses titãs do setor de tecnologia. Uber e Airbnb são startups híbridas, pois contam com o suporte da tecnologia, mas necessitam do bem físico, que são mais limitados do que o acesso à internet. O Google, por exemplo, pode crescer 1.000% em um mês, sem sobressaltos. “Essa expansão astronômica é insustentável no caso de Uber e Airbnb, porque eles não conseguem crescer suas propriedades, como carros e quartos, tão rapidamente”, afirma o consultor Enderle. Soma-se a esse fator, o cerco que sofrem da economia tradicional, que quer regulamentá-los. Com isso, eles passam a pagar impostos e enfrentar restrições em diversas partes do globo. No Brasil, o Netflix e o Spotify terão de pagar 2% de ISS (Impostos Sobre Serviços). Nada, no entanto, consegue barrar a ascensão desses serviços digitais.

Os empreendedores dessas startups souberam entender as falhas da economia tradicional para oferecer aos consumidores conectados não só preços competitivos, como também conveniência. O fundador da Netflix, Reed Hastings, criou a empresa quando teve de pagar uma pesada multa por atrasar a entrega de um DVD – o primeiro negócio da companhia foi aluguel de DVDs, sem prazo para a devolução. O Spotify, comandado por Daniel Ek, conta com um acervo de mais de 30 milhões de músicas, que podem ser acessadas pagando uma mensalidade que é mais barata que o preço de um CD. O WhatsApp dribla as caras tarifas de interurbano das empresas de telefonia e permite falar de graça. O Airbnb transformou quartos vazios em dinheiro para seus proprietários. O Uber, de Travis Kalanick, está revolucionando o transporte urbano.

Esses atributos cativaram os usuários, que estão os adotando em massa. Uma pesquisa realizada pela mineira Opinion Box mostra que o WhatsApp é o aplicativo mais usado no Brasil. O Uber foi o sétimo. Netflix ficou em 12º e Spotify, em 15º. Mas o dado mais impressionante é que 40% dos pessoas pagam por serviços de entretenimento no seu smartphone. “Esse número dobrou”, diz Felipe Schepers, diretor de operações da Opinion Box. “Na pesquisa anterior, era apenas de 19%.” O serviço pago mais usado é do Netflix. Uma pesquisa da Ericsson ConsumerLab mostrou também que o consumidor prefere escolher quando e o que assistir, em vez de seguir a grade tradicional dos programas de tevê. Além disso, ele quer também ter acesso total ao seu conteúdo de vídeo em todos os dispositivos, incluindo smarphones e tablets. “Os serviços de streaming estão ganhando força”, diz Julia Casagrande, gerente de marketing para a América Latina da Ericsson. “Há dois fatores: um deles é custo, mas o outro é uma mudança de comportamento do consumidor.”

A mudança de comportamento não se restringe aos consumidores. Empresas ameaçadas por esses serviços também estão mudando. A GM, por exemplo, é uma das principais investidoras do Lyft, um dos rivais do Uber. Fabricantes como Ford apostam em serviços de compartilhamento de carros. A Globo criou o GloboPlay para concorrer com os serviços de streaming. A NET, do grupo de telefonia América Móvil, conta com o NetNow, com diversas opções de vídeos sob demanda. Empresas de telefonia, como a Telefônica, fazem de tudo para digitalizar seus produtos. Neste novo admirável mundo digital, a regra é adaptar-se. Quem não conseguir, não sobreviverá, como ensinou o naturalista britânico Charles Darwin.

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